Esses filmes baseados em fatos reais podem não ser tão reais quanto possa parecer. Hollywood usa de seus truques para garantir o interesse do público introduzindo elementos irreais. Tal qual a História esses filmes são uma recriação, reconto dos fatos e esses fatos podem ser manipulados de acordo o interesse dos produtores. Como o cinema é a arte do real eles possuem essa ‘liberdade’. Por isso e outros fatores que não cabem nesse espaço não acredite completamente nesses filmes.
Escritores da Liberdade (2007) é uma dessas películas baseado em fatos reais que tentam provar para nós através do filme que existem pessoas reais que podem inspirar outras. Além de trazer discussões que ajudam na construção de uma opinião sobre educação. A história recontada é uma caminhada que a partir de uma voz narradora nos fala de mudanças. A base para a narração são as próprias experiências vividas e escritas num diário. A opinião em geral nos diz que a educação pública está além da qualidade exigida e de acessibilidade para todos. Tentar buscar um culpado é o mesmo que cair num circulo vicioso onde nunca encontraremos satisfatoriamente uma resposta. A diretora e outro professor encontram o seu bode expiatório nos estudantes que no processo de democratização escolar teriam maculado o sagrado recinto. Trazendo consigo todas as mazelas de sua convivência do bairro para o Colégio. E o pai de Gruwell representando a burocracia no seu inatismo perverso acredita que a educação não muda as pessoas, exatamente aquelas ‘pessoas’.
Esse é o quadro do Colégio Wilson instalado numa subúrbio com profundas demarcações espaciais onde as origens étnicas, os laços de origem agrupam e separam, vestem e fazem a cabeça dessas pessoas. E como a escola imita a sociedade, na sala de aula essas marcas estavam presentes no modo de sentar e com quem ter do lado da carteira. Sendo assim, criando um clima de suspeitas, inimizades e por inúmeras vezes tendo brigas violentas que interrompiam as aulas e se tornavam cotidianas numa sala de guetos. Os planos de aula eram rígidos não condizente com a realidade da periferia. Partia de cima para baixo desconexo com um contexto escolar em que só poderíamos esperar desses estudantes desinteresse e antipatia com os professores. Essa vai ser a realidade encontrada pela novata professora Erin Gruwell ao lecionar para a turma do 203. Esse vai ser o primeiro impacto vivido por ela sendo naturalmente com a Odisseia de Homero sendo ignorado e rejeitado juntamente com a professora. Com seu senso de vocação a Senhora ‘G’ como também era chamada minimiza os aspectos técnicos, atropela a burocracia e tenta chegar aos seus alunos com uma proposta diferenciada, personalizada onde música, poesia, rap, dinâmicas que contamina os alunos, ela estava falando a língua deles.
A ação Intervencionista
Toda mudança traz consigo a derrubada de barreiras: a sala teve novas ‘fronteiras’ e com a palavra os alunos e a participação da professora no mundo deles. Com atividades que tocavam a consciência, o estopim foi o desenho racista que serviu de mote para explicar o que foi a ‘gangue do Hitler’ e o Holocausto. O questionamento de um aluno vai servir de base para uma série de projetos. O primeiro deles partirá com a leitura do livro O diário de Anne Frank, um projeto de leitura e escrita onde são desafiados a escreverem tudo que sentirem vontade de escrever, seriam livres para contar suas histórias.
É numa reunião de pais com sala esvaziada que a professora conhece as várias histórias de abuso, preconceito, abandono, que se cruzam de várias formas. A metodologia da escrita possibilitou a professora de vislumbrar a potencialidade de cada um, principalmente de vencer a violência com o conhecimento. A possibilidade de lutarem por seus ideais. A educação da sala 203 torna-se significativa extrapolando os muros da escola através de uma aula passeio quebrando a rotina da sala de aula de aprendizagem na prática. Uma atividade construtivista favorecendo um trabalho interdisciplinar e muito participativo de muita interatividade onde num jantar especial uma vitima do holocausto testemunha sobre suas experiências.
Os alunos da Senhora ‘G’ foram construindo seu conhecimento com essa atividade investigativa oportunizando aos alunos serem sujeitos na ampliação do projeto de leitura e escrita. Se o Diário de Anne Frank mexeu com o pensamento, imaginação de forma abstrata. O passeio seria a culminância concreta relacionando o escrito com a prática. A melhor maneira de interação entre os alunos e o mundo. Seria uma forma de mostrar que outras pessoas também têm problemas semelhantes ou até superiores ao deles. E o resultado foi uma nova visão de mundo principalmente no mundo deles desarmamento, reconciliação, inclusão e acima de tudo o respeito pelas pessoas e pela vida.
Entre a literatura e a história
A literatura é uma manifestação cultural que está para além de um fenômeno estético. Essa manifestação é uma forma de registro das realizações do homem em sua historicidade abrindo possibilidades, anseios e visões de mundo, permitindo um espaço de pesquisa. O ato de ler um romance, na linha de O diário de Anne Frank, recupera imagens, possibilitando ler acontecimentos contextualizando elementos da realidade. Sendo assim, ficção e realidade se confundem dando a carga que as imagens possuem. Existe uma aproximação entre história e literatura. Não podemos desqualificar a literatura deixando apenas no terreno da estética artística.
Os caminhos entre história e literatura se cruzam com frequência enriquecendo o campo de análise na qual a narrativa literária emerge como ilustração de uma época. A representação e o simbólico são pontos que devem ser observáveis como forma de recuperação das formas de compreender o real. A Senhora ‘G’ se apropriou bem desses elementos esclarecendo que a história não é um processo mecânico que possui uma dimensão humana e dramática que pode entrecruzar com outras vidas no presente através da perspectiva de uma adolescente. Mostrando uma jovem não tão diferente dos jovens de hoje com propósito de despertar a identificação e a empatia mesmo em épocas diferentes.
O filme como inspiração para um projeto de intervenção
O primeiro contato em sala de aula sempre é crucial para qualquer professor/estagiário podemos passear nos extremos de ingenuidade, timidez, curiosidade e determinação como no caso da senhora ‘G’. Esse primeiro contato que nos possibilita encontrar a nossa ‘vocação’ para o magistério. O conservadorismo, a burocracia do sistema escolar devem ser encarados como desafios para implementar um modo diferenciado tornando as aulas significativas.
Através de filme podemos vislumbrar algumas ideias que podem ser utilizadas independentemente de onde nos encontramos. Aprendemos a contextualizar e montar nossas aulas a partir da realidade do aluno. É ouvindo que conhecemos suas necessidades e anseios. Talvez a leitura do O diário de Anne Frank não seja possível dentro de nossa realidade, mas podemos propor alguma outra obra sobre temáticas que identifiquem nossos alunos dentro da aula de história como diversidade cultural, etnicidade, gênero, sexualidade, etc. Ou trechos de obras importantes no circulo de escritores nacionais. Trazer alguém para compartilha experiências, falar de um fato de um passado recente pode gerar bons resultados ao ouvir os mais velhos.
Ser um escritor da liberdade
Paulo Freire (1997:130) diz que “A proclamada morte da História que significa, em última análise, a morte da utopia e do sonho, reforça, indiscutivelmente, os mecanismos de asfixia da liberdade”. Os alunos da Sala 203 haviam perdido sua liberdade de expressão, de ideias, de crítica. Além de considerados baderneiros fadados ao fracasso. A senhora ‘G’ propôs devolver essa liberdade a eles pelo exercício da reflexão e escrita. É o que Miep Gies da Fundação Anne Frank, na palestra fala no filme de “acender uma pequena luz” e foi que a professora fez acendeu uma centelha no pensamento de cada um fazendo-os acreditar de que era possível ter a autonomia outrora perdida.
As ideias da Senhora ‘G’ se cruzam com as de Paulo Freire (2007) quando propõe a comunicação como principio que transforma o homem como sujeito/arquiteto do seu conhecimento através da interação. Ela estava em sintonia com a educação transformadora com caráter de analisar e refletir sobre a realidade por vezes contrastante e opressora.
Conclusões
A educação diferenciada da Erin Gruwell seria reconhecida por seu pai, direção e alunos. A sua dedicação abalará seu lar fazendo que seu marido exponha o que ele é realmente um sujeito desacreditado que não consegue superar sua mediocridade. Ela conseguiu sair da zona de conforto para alcançar seus alunos. Podemos perceber muitas mudanças no caráter e no modo de agir dos alunos, mas o que mais me chamou atenção foi a mudança do ambiente. No inicio do filme a sala é um lugar comum no desfecho final flores estão na janela, existe um colorido que realça a transformação. O colar de perolas da senhora ‘G’ é um símbolo do seu valor, de sua vocação e comprometimento. A escrita de si nos diários culmina no lançamento de um livro O diário dos escritores da liberdade porque alguém acendeu uma luz para que os escritores de suas vidas pudessem ser livres.
REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO
FRANK, Anne. O diário de Anne Frank. Edição Integral. Rio de Janeiro: Record, 1997.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1997.
ESCITORES DA LIBERDADE. Direção Richard LaGravenese. 123 min: DVD Cor. Paramount Films. 2007.
VEJA O TRAILER
0 comentários:
Postar um comentário