Apologia da História - Resenha
Por.: Antonio Marcos Ribeiro
Marc Bloch é um historiador francês filho de historiador e um dos fundadores da Escola do Annales. Participou da Primeira Guerra como combatente e na Segunda Guerra Mundial, foi militante contra a invasão alemã na França o que foi fuzilado pelos nazistas. Em sua obra póstuma Apologia da História coloca em xeque o positivismo e inova a historiografia nas suas bases a começar pela sua definição. A sua contribuição em termos de pesquisa foi sobre a Idade Média teorizando sobre a história das mentalidades, um estudo de psicologia social. Os reis taumaturgos e A sociedade Feudal são suas obras mais importantes. A crítica a historiografia é uma reafirmação constante no seu livro póstumo orientando para uma pesquisa com mais rigor obedecendo a etapas que levem a contextualização, compreensão e problematização do objeto, do recorte e da temporalidade.
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Marc Bloch |
A escrita é cheia de metáforas e exemplos, extraídas essencialmente da Idade Média campo onde ele palmilhou, para se chegar mais perto do leitor. Apesar do ano e das condições em que foi escrito contém a essência da Escola dos Annales. O livro é um apelo a um maior rigor nas pesquisas históricas, para que se desprenda do positivismo que se atém apenas aos fatos. Que os historiadores sejam mais ousados em desbravar o passado. As ideias lançadas nos capítulos são para desconstruir a antiga forma de se escrever a história. Lançando um novo método e defendendo a história enquanto ciência.
O termo história é discutido como um termo abrangente que sofreu modificações com o passar dos anos. Mas deixa claro que seu sentido original refere-se a pesquisa. É sobre essa temática que perpassa o capítulo um. Em vez de debruçar sobre os sentidos do termo, achando isso uma perda de tempo. Trata da pesquisa em si e do oficio que é a meta estabelecida o que contribui para o conhecimento da área. O problema de ação toca a utilização das ferramentas, recorte e as escolhas dessas decisões.
A definição de que a história é “a ciência do passado” é descartado pelos problemas que isso acarreta logo de imediato: a impossibilidade de apreender a totalidade que a temporalidade intenciona. E propõe uma definição mais acessível como “o objeto da história, é por natureza, o homem”. Respalda esse argumento sobre a ideia de que por trás de todos os vestígios, escritos e instituições está o homem. Qualifica de “bom” o profissional da história como aquele que procura o humano “por trás dos grandes vestígios”. É o que vemos em toda obra que coloca o homem como centro, objeto final da pesquisa histórica.
Entrando no debate sobre a história como ciência coloca logo em separata as diferenças entre as ciências exatas e da natureza que podem ser apreendidos e matematicamente constatados. O que não pode ser aplicado ao estudo do homem. Portanto, coloca a história como “a ciência dos homens no tempo”. E sobre o tempo discorre como um elemento constitutivo da pesquisa alijada a problemática e as mudanças. O tempo por ele só não é nenhum atrativo de pesquisa. Chamando a atenção sobre o perigo da obsessão pelas “origens” o que se tornou um totem o que em certa época era “fugaz”, um romantismo herdado. Em sua opinião, se concentrar nas causas pode ser mais lucrativo ao conhecimento, pois para Bloch “nunca se explica um fenômeno histórico fora de seu momento”.
Chama atenção para os estudos sobre o presente alertando que o distanciamento do objeto pode ser mais proveitoso para uma pesquisa, porque segundo ele, pode-se compreender as causas que não estão visíveis de imediato. A “escala de comparações” é um fator chave. Por outro lado o presente é elemento crucial para entendimento por estarem passado e presente interligados. Não procedendo mecanicamente como um relógio que persegue as horas minuto a minuto e com interdisciplinaridade porque a história na funciona como “autarquia”. No final do primeiro capítulo Bloch fala em como lidar com a história:
Uma ciência, entretanto, não se define apenas por seu objeto. Seus limites podem ser fixados, também, pela natureza própria de seus métodos. Resta portanto nos perguntarmos se, segundo nos aproximemos ou afastemos do momento presente, às próprias técnicas da investigação não deveriam ser tidas por essencialmente diferentes. Isto é colocar o problema da observação histórica.
No segundo capítulo mostra a impossibilidade do historiador de se apreender o fato, pois esse se encontra no passado. Portanto, coloca o profissional no nível do detetive que precisa reconstituir os fatos para se ter resolvido o caso. Quem dará esses indícios serão os testemunhos no qual ele coloca como sentidos da pesquisa essa sendo indireta. Os documentos materiais não são a última palavra da reconstituição histórica, mas todo um conjunto de “vestígios”, pois “não existe outra máquina de voltar no tempo senão a que funciona em nosso cérebro, com materiais fornecidos por gerações passadas”. Porque “o passado é, por definição, um dado que nada mais modificará. Mas o conhecimento do passado é uma coisa em progresso, que incessantemente se transforma e aperfeiçoa”.
A limitação do pesquisador está apenas no que o passado pode lhe oferecer e nada mais. Há coisas que ficou encoberto por falta de fontes que lhe abarque todo questionamento. Alguns testemunhos são voluntários, intencionais outros não sempre avaliando sua autenticidade e veracidade confrontando com outros testemunhos. Os textos falaram o que for interrogado sobre eles é a sua máxima sobre as fontes, pois “toda investigação histórica, supõe, desde seus primeiros passos, que a busca tenha uma direção”. E nessa busca orienta conhecer mesmo que palidamente as chamadas “disciplinas auxiliares” que podem fornecer informações importantes. Aconselha a escrever nos tratados históricos um capítulo dedicado a jornada da pesquisa como forma de instigar, passar para o leitor o como se chegou até ele àquela reconstituição. É a “sedução” do documento que levará o historiador a se aproximar ainda mais do seu objeto de estudo, conclui.
Em outras palavras fala das inúmeras possibilidades quando se trabalha com interdisciplinaridade. A comunhão com a arqueologia o que ele mais ressalta, pode gerar muito mais frutos do que a pura obsessão pelo que é apenas e exclusivamente escrito. Arremata que a história está sendo construído continuamente que é a visão do historiador na busca de compreender o passado que torna a disciplina revisionista por natureza.
A crítica do texto ou do documento é colocada como indispensável no terceiro capítulo isso dada a razão das falsificações e fatos infundados. O que com isso (a crítica do documento) dá “novas certezas (ou grandes probabilidades), agora devidamente comprovadas”. O método crítico se faz necessário observando notas e rodapés no trabalho escrito para respaldar os estudos. Essa etapa é crucial para a pesquisa, mas o mais interessante é descobrir, questionar o por quê da ‘inverdade’. Constatar os motivos e as razões de um documento e isso se constrói pela prática “a crítica se insere num trabalho de comparação”.
Marc Bloch recheia o texto de exemplos de como documentos foram modificados, adulterados na Idade Média, na Modernidade e em sua Contemporaneidade. O exemplo que chama mais atenção são os processos dos Templários. Quando dois acusados eram da mesma casa eram interrogados por um mesmo inquiridor as confissões eram as mesmas. Mas quando diferente o inquiridor, diferente a confissão. Isso mostrou “uma característica dos anais judiciais”. Um ponto de análise interessante para o pesquisador que só pode ter com o cruzamento das fontes, demonstrando que nem todo documento é de total confiança. Tem de se ter cuidado com “as armadilhas do documento”. E por cima a pesquisa histórica não vive de questionamentos do tipo “e se”. Ao elaborar e utilizar a técnica seu horizonte vai mais longe.
No capitulo quarto Bloch chama atenção para os problemas da imparcialidade, da passividade como “tentativa de reprodução”. O que vale mesmo é a análise criterioso que passa de longe a simples tarefa de julgar os fatos. É o interrogatório aos documentos que levará o estudioso as conclusões palpáveis sem emitir juízo de valor. “Desemaranhar as profundas razões dos grandes dramas das civilizações”, eis a cruzada do historiador. A análise que fará toda diferença, e que pra que isso exista, é preciso o homem e o objeto. Ainda complementa com a importância do todo, isto é, a contextualização, e a perspectiva das partes.
No tocante a nomenclatura, destaco essa afirmativa que resume todo teor da discussão: “Uma nomenclatura imposta ao passado será sempre uma deformação”. Ainda nessa parte coloca o recorte temporal como “balizas” da pesquisa. “O recorte mais exato, não é forçosamente o que faz uso da menor unidade de tempo” eis um conselho baseado na natureza do fenômeno apreendido. O “raciocínio histórico” fecha o último capítulo onde a “causa” as “razões” são perseguidas são “buscadas” assim fecha o livro de forma breve e direta. Na verdade inconcluído.
Esse livro apesar do ano que se escreve é essencial nos estudos sobre teoria da história porque comporta o suprassumo do pensamento da Escola dos Annales. Informa as ideias de um movimento que revolucionou a maneira de pensar e escrever história. Não se pode desvincular essa historicidade nos debates sobre escrita e teoria.
BIBLIOGRAFIA
BLOCH, Marc Leopold Benjamin. Apologia da História ou O ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
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