Os sábios também amam: um ensaio sobre
Eros e os homens
Por.: Izac Santos Evangelista
O mouro e o travesso deus-menino
Discutindo sobre “Marx e o amor”, o filósofo brasileiro Leandro Konder, nos lembra que essas “são duas palavras que dificilmente são encontradas juntas, uma ao lado da outra.” (KONDER;2009,p.93) O grande pensador alemão, recentemente eleito como maior filósofo de todos os tempos, Karl Marx, é um desses pensadores sobre os quais foram construídos essas imagens estereotipadas que falávamos no início do texto.
Muitos vêem o autor de O Capital, como um sujeito zangado, carrancudo, temperamental, frio e calculista; que se preocupava apenas com questões políticas e econômicas. Mas, essa visão não retrata com veracidade aquele homem que amou profundamente a humanidade e que desejava tornar o mundo um lugar melhor.
Ora, Marx era filósofo, e como tal nutria o [philos] amor pelo conhecimento [sophia], mas este tinha uma noção mais ampla do papel do amigo da sabedoria. E nas suas famosas teses sobre Feuerbach declara: “os filósofos apenas interpretaram o mundo de diferentes maneiras, trata-se, entretanto, de transformá-lo”.
Marx não concebia uma dissociação entre teoria e prática, antes via uma relação de completude entre a léxis [o que se diz] e a práxis [o que se faz]. A filosofia para este apaixonado revolucionário, deveria estar a serviço da construção de uma nova, justa e igualitária sociedade.
Mas, apesar dessa ser a maior e mais bela forma de amor que podemos sentir - o amor pela humanidade - existem outros aspectos que ligam o mouro – esse era o apelido familiar de Marx - e o travesso deus-menino filho de Afrodite, Eros – o amor.
“Amadinha do meu coração, torno a te escrever porque estou sozinho e porque me cansa ficar dialogando contigo na minha cabeça o tempo todo (...)”. Dificilmente alguém pensaria que estas doces e apaixonadas palavras foram escritas pelo pai do socialismo científico, Marx. Mas, não só foram escritas por ele, como são expressões de um homem maduro, que depois de vinte anos de convivência, ainda consegue como outrora, se expressar de maneira apaixonada para a sua amada, dizendo: “Beijo-te dos pés a cabeça, caio de joelhos diante dê ti e gemo. Amo-a, minha senhora.” (KONDER, 2009, p.99).
Essa era a intensidade do amor de Marx por sua esposa Jenny. Amor que começara na juventude quando este conheceu a bela e cobiçada Jenny, quatro anos mais velha que ele, e que resistiu aos mais diferentes e difíceis momentos.
Já nos primeiros momentos da relação os dois apaixonados tiveram que se mostrar pacientes diante das dificuldades. Apesar de conseguir a benção do pai de Jenny, o barão Ludwig von Westphalen, e de ansiarem pelo matrimônio. Estes tiveram que amargar oito anos de espera até que a união viesse a acontecer, devido as difíceis condições de vida do mouro.
Crises semelhantes se abateram por toda a vida do casal Marx, que passaram pela dor de perder 3, dos seis filhos que tiveram. Janny, Eleanor e Laura*, foram os frutos desse amor que sobreviveram. Nada disso, porém, o impediu de ser, como atesta a historiadora Michelle Perrot (2009, p.50), um pai afetuoso “atento às pequenas coisas da vida, ao ritual das festas ou dos aniversários, à saúde e ao futuro de suas filhas, como ele fora no passado, atento as suas brincadeiras.”
As inúmeras crises e o tempo, tão pouco, puderam apagar o fogo da paixão que nosso pensador nutria por Jenny. Alias, paixão, era o que movia tanto o Marx esposo, quanto o Marx filósofo-militante: “o domínio da essência objetiva em mim, o irrompimento sensível de minha atividade essencial, é a paixão”, escreveu nos Manuscritos de 1844.
O amor para Marx era, sem dúvida, algo fundamental e se muitos dos regimes socialistas que existiram tivessem atentado para este fato, talvez tivessem tomado um rumo diferente evitando muitas das barbaridades que foram cometidas. Sei, vão dizer: “isso é romantismo!” Infelizmente nossa sociedade aprendeu a vê o amor de maneira distorcida e demasiadamente restrita.
Marx odiava o capitalismo exatamente pelo fato dele distorcer a relação dos homens entre si e destes com a natureza em geral. O sistema capitalista torna os homens individualistas, hipercompetitivos, solapando as bases da solidariedade humana (KONDER,2009, p.95). Por isso sua visão de amor relacionava-se com a da realização plena e total do homem.
O amor entre homem e mulher era apenas uma parte dessa realização. Contudo, procurou viver intensamente essa parte tão apaixonante do amor: “Se pudesse, contudo, apertar o teu coração doce contra o meu coração, então me calaria, não diria mais nada”, escreve Marx numa carta a sua senhora em 21 de julho de 1856. Em outro momento, reconhece a especificidade dessa forma de amar: “Porém, o amor – não o amor feuerbachiano pelo ser, não o amor pelo proletariado, mas o amor pela amada(no caso, o amor por ti) – torna a fazer do homem um homem”.(KONDER, 2009, p.100).
Não é por menos que o seu grande amigo Engels, previu desanimado, após a morte de Jenny, que o mouro não iria sobreviver. E assim o foi, um ano e quatro meses depois da morte da sua esposa, Marx também veio a falecer em 1883. (KONDER, 1999, p.147.
Marx não foi um santo como alguns militantes fundamentalistas querem pintar, cometeu erros e se envolveu em casos polêmicos. O mais conhecido foi o que envolveu a empregada do casal, que oito anos mais nova que Jenny, veio a engravidar de Marx; cabendo a Engels o papel de assumir a criança, o menino Frederic Demuth, para evitar um escândalo a seu amigo. (PERROT, 2005, p.56).
Aqui, não só o fato do casal superar esse acontecimento, tão mau visto dentro do nosso conceito de moralidade, mas também, o amor [philos] de seu amigo Engels é admirável. Poucas amizades na história da filosofia foram tão marcantes quanto à deles. Os pensadores do comunismo defendiam um ideal de amor universal, não metafísico, não romantizado; mas autoconsciente, real!Real entre homem e mulher, entre homens e homens, entre os seres humanos e o mundo a sua volta. E a vida tanto de Marx, quanto de Engels, testemunha essa crença.
* Para mais informações sobre as três filhas de Marx, vê o excelente estudo da historiadora francesa Michelle Perrot, “As filhas de Karl Marx: cartas inéditas”. In: PERROT, Michelle. As mulheres ou os silêncios da história. Bauru, SP: EDUSC, 2005.
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