Os sábios também amam: um ensaio sobre
Eros e os homens
Por.: Izac Santos Evangelista
Hannah Arendt, Heidegger e tantos outros amantes do amor
Se em Marx não é possível encontrar uma discussão teórica sobre o amor, sendo necessário, como fizemos, discutir características gerais do seu pensamento e da sua vida para entendermos sua relação com Eros, esse problema não encontramos ao analisarmos o pensamento da também filósofa judia, Hannah Arendt.
O amor teve lugar especial na vida e nas reflexões dessa que foi uma das maiores pensadoras do século XX. Depois de freqüentar as aulas do renomado filósofo alemão Heidegger – com quem se envolveria amorosamente mais tarde – ela escolhe para objeto de sua tese: “O conceito de amor em Santo Agostinho”.
A maestria e genialidade com que Arendt discutiu os regimes totalitários, sobretudo o nazismo, muitas vezes, ocultam esse outro tema da experiência humana que também foi alvo de suas reflexões geniais. Alias, é conhecido o brilhantismo que caracterizava essa pensadora desde a juventude.
Vindo de uma família assimilada de Könisberg, a jovem judia com apenas 16 anos já dominava perfeitamente o grego e o latim a ponto de fundar um círculo de estudos e leitura de literatura antiga, (SILVEIRA, 2010, p.22) e aos 18 anos parte para Marburg ansiando aprender com os mestres Bultmann e Heidegger.
Hannah Arendt conheceu de perto o peso e a dor causada pelo oposto do amor, o ódio, afinal, ela era uma judia vivendo em pleno período de ascensão do regime nazista, em que o Führer[1] apregoava sua doutrina anti-semita por toda a Alemanha. Mas naquele ambiente, é inicialmente o amor que desperta a sua curiosidade, esse sentimento que, como escreveu em sua tese, “espera encontrar com a eternidade a sua própria realização”. (SILVEIRA, 2010, p.24).
Paulo Henrique Silveira nos informa que as ideias de Arendt, assim como o pensamento de Heidegger, sofreram grande influência da filosofia de Soren Kierkergaard, pensador dinamarquês que como muitos outros intelectuais, deu amplo destaque nas suas reflexões para o amor.
Kierkegaard, assim o como filósofo da igreja cristã Agostinho, primava por um diálogo harmônico entre os ensinamentos dos gregos e os da bíblia cristã. Ambos veem um sentido maior no amor do que a mera relação entre os homens – seres efêmeros. Para Santo Agostinho, nós não devemos estar presos às coisas passageiras, as coisas mortais; não são a elas que devemos devotar nosso amor. Logo, “neste amor [...] não é exatamente o próximo que é amado, mas o próprio amor”, observou Hannah Arendt.
Tanto para Kierkegaard, quanto para Agostinho, o que devemos amar de verdade não é o outro, mas o amor. Não é, contudo, um desprezo pelo humano, mas uma crença fundamental de que em nossa essência somos amor. É este sentimento que nos trás alegria, felicidade; não exatamente o outro. Pois, a brevidade dos momentos que passamos com eles é um fato. Como escreve Henrique Silveira (2010, p.23): “o que importa é lembrar com nostalgia dos bons momentos passados ao lado de quem um dia amamos, mas rememorar o amor que um dia os inspirou”.
O pessimista Arthur Schopenhauer, outro pensador que levou o amor a sério, não partilhava de um entendimento cristão do amor. Seguindo pela linha biológico-evolucionária, o velho Schopenhauer via este como mecanismo necessário à sobrevivência e perpetuação da espécie. O amor era o mecanismo que fazia com que o homem e a mulher se relacionassem, gerando nesta relação um novo ser. Eros estaria assim a serviço da própria sobrevivência da raça humana.
Parece haver no velho pessimista, que influenciara Nietzsche e Freud, uma nítida relação entre sexo e amor. Porém, o psicoterapeuta brasileiro Flavio Gikovate, nos lembra, “sexo e amor são duas coisas diferentes”. Sexo é um estado de excitação. Como diz a canção: “Sexo sem amor é vontade”. Mas e amor? O que é o amor?
Essa pergunta já inquietava o grego Arístocles, mas conhecido pelo seu apelido Platão*, e na sua obra, o Banquete, procura discutir e responder a esta questão. Sócrates, um dos personagens do livro, descreve Eros como sendo o filho de Poros (a riqueza) e Penia (a pobreza), um ser híbrido, andrógino; a junção de dois grandes opostos, que no fim se completam.
O movimento de amar seria essa busca pela completude. Buscamos essa completude no alter [outro] sem, contudo, deixarmos de ser o que somos. Como observou Heidegger num trecho de uma carta que escreveu a Hannah Arendt: “Por que será que o amor é imensamente mais rico do que qualquer outra possibilidade humana?” e responde “[..] Porque nos transformamos naquilo que amamos sem deixarmos de ser nós mesmos”.
Este sentimento nasce da nossa sensação de incompletude, que nos impele a buscar o outro. Por isso que Kierkegaard, afirma que o amor só existe na reciprocidade (SILVEIRA, 2010, p.23) “O sinal definitivo, o mais feliz e incontestavelmente convincente do amor é, pois, o próprio amor, tal como é conhecido e reconhecido pelo amor de outra pessoa.”
Queremos amar e sermos amados. Precisamos amar e sermos amados. Não é mera retórica, ou romantismo apoteótico, como encontramos nos filmes e nas novelas que inundam a industria cultural. Alias, alguém já disse “os filmes de amor são muito chatos. Chatos porque tudo dá certo. O amor real não da história. Não dá para fazer um filme sobre este, já que o amor é algo que dura cinco minutos”.
Brincadeiras a parte, para muitos pensadores o segredo do amor perene estaria na busca dentro da memória daquilo que foi o grande motor dele. “O passado é presentificado pela memória como aquilo através do qual se pode refazer a experiência(...) A grande força (vis) da memória reside no fato de poder remeter efetivamente o passado para o presente, desta forma ele nunca esta perdido”, observa Hannah Arendt no seu “O conceito de amor”.
Heidegger também entende essa relação intrínseca entre a memória e o amor, ele – renomado filósofo alemão, ligado ao partido Nazista – escreve em 21/02/1925, uma carta para à jovem judia Hannah Arendt, onde afirma “o coração humano nunca está em condições de dominar o despontar repentino do outro em nossa vida. Um destino humano entrega-se a um destino humano, e o oficio do amor puro/casto (reiner Liebe) é manter desperta essa entrega exatamente como no primeiro dia”.
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