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 Por.: Antonio Marcos de Almeida Ribeiro
UNEB/Campus XIII

Dentro das questões   que abordam a teoria da identidade e da diferença existe uma lacuna sobre essa discussão mesmo na pedagogia oficial. De forma sucinta o multiculturalismo apela a tolerância e ao respeito a diversidade e diferença. A temática identitária precisa de uma reflexão mais profunda, apontam estudiosos. Uma análise da estruturação das identidades seria o primeiro caminho e o sistema de linguagem uma forma de se chegar a uma reflexão mais séria.

Dentro dessa discussão podemos começar com a ideia de identidade como referenciada por si própria. Ou seja, remete a si mesma, o que é concebida também na questão da diferença. Essa análise é sutil porque identidade e diferença possui relações com pressupostos de negações.  Será no terreno da linguagem onde encontraremos ocultação e simplificação sobre esses temas. É aqui onde avaliamos e descrevemos quem somos. Em suma, como coloca Tomaz Tadeu da Silva (2000, p. 76) “elas são o resultado de atos de criação linguística”. É dentro do contexto social e cultural que forjamos as identidades e diferenças, o ato linguístico reproduz isso através de seus variados sistemas semiótico.

A identidade e a diferença estão categorizadas dentro de uma semântica estrutural teorizado por Saussure. Para ele o conceito ou ideia é uma representação mental de um objeto ou representação social. Uma rede interligada entre conceito, som, imagem mental onde o signo linguístico é a referência daquilo que se evoca nos remetendo sempre a outros signos. Dentro dessa discussão que qualquer termo, seja negro, índio, homossexual ou outro são “governados pela estrutura da linguagem” (Silva, 2000, p. 80). As consequências disso interferem diretamente dentro do conceito de identidade e diferença, pois “- em suma, a identidade e diferença são tão indeterminadas e instáveis quanto a linguagem da qual dependem” (Silva, 2000, p. 80). E isso faz parte também das relações de poder existentes na sociedade onde são impostas.

Identidade e diferença estão conjuntamente em disputas numa conexão com as redes de poder existentes, onde incluir e excluir delimitam as fronteiras, classifica, rotula, normatiza e hierarquiza. O posicionamento do sujeito vai estar sempre ligado por relações antônimas como fala Silva (2000, p. 83):

Fixar uma determinada identidade como norma é uma das formas privilegiadas de hierarquização das identidades e das diferenças. A normalização é um dos processos mais sutis pelos quais o poder se manifesta no campo da identidade e da diferença.

Significa dizer que uma séria de atribuições e características é relacionada de forma positiva ou negativa dependendo de quem carrega o “signo” ficando assim com o estigma atribuído. O sistema social e cultural são impostos e aceitos num sistema de representação incorporando os conceitos que estão ligados. A identidade e diferença são dependentes da representação que por sua vez estão ligadas a sistemas de poder.

Em linhas gerais, conceitos de representação, hibridização e performatividade fazem parte de um cabedal teórico, parte de atribuições advindas do sistema linguístico dentro de um contexto social e cultural onde as relações de poder se impõe.


Silva (2000) coloca a questão da identidade e da diferença em termos linguísticos já Eliana Oliveira (2001) faz uma abordagem antropológica onde os mecanismos de estruturação do preconceito se constroem a partir de atributos culturais ideologicamente reproduzidos. Para ela são adquiridos através de uma herança cultural o que não difere do pensamento de Silva (2000), mas coloca a questão por outro viés.


Sobre o racismo no Brasil, coloca a democracia racial e a política de branqueamento como características ideológicas para propagar um mecanismo de dominação que permitiu esconder as desigualdades. O sistema de cotas para afrodescendentes e criação de uma secretaria voltada para essa única questão só nos mostra a complexidade da discussão sobre a relação do negro na sociedade brasileira.


O mito da democracia racial foi sutilmente introduzido na tentativa de esconder o preconceito. A principio essa teoria era um contraponto mostrando que a miscigenação era uma vantagem no processo de formação do país corroborando com as efetivas contribuições do negro na cultura brasileira. Só que esse tipo de visão foi gerada por estereótipos propagando uma falsa ideia de que não existia no Brasil diferenças raciais. A disseminação dessa ideologia escondeu as desigualdades que eram constatadas em pesquisas sobre emprego, remuneração e mobilidade social. Além das práticas discriminatórias vividas pelos negros a cada dia.


Segundo Silva (2000, p. 89) “a identidade e a diferença estão estreitamente ligadas a sistemas de significação. A identidade é um significado – cultural e socialmente atribuído”. Sendo estreitamente associadas a sistemas de representação com multiplicidade de significados. Portanto, a identidade e diferença são dependentes da representação. Toda a atribuição estereotipada de inferioridade e superioridade raciais do negro brasileiro passa a existir fazendo parte de sua identidade. Ou seja, o sistema de representação é que legitima e dá sustentação as identidades como salienta Silva (2000, p. 91) “a representação ocupa um lugar tão central na teorização contemporânea sobre identidade e nos movimentos sociais ligados à identidade”. Que não conseguimos separar uma coisa da outra estão intimamente ligados.


Em outras palavras quando se evoca um signo, uma palavra, por exemplo, “negro”, essa palavra não acaba em si mesma. Ela está carregada de significações, de representações construídas ao longo do tempo num contexto social e cultural como é abordado por Oliveira (2001) que ao pronuncia-la fixa-se uma imagem identitária. Como uma espécie de ‘estigma’ que descreve uma situação e conduz as relações baseado em todas as características descritivas que a palavra produz. Uma palavra vai evocando outras e mais outras que juntas formam um a teia de ideias, no nosso caso, ideias negativas de inferioridade. Isso é uma noção semiótica onde a repetição constante vão sendo ligados à identidade.


Para Silva (2000, p. 95) existe a possibilidade de ser interrompida “a repetição pode ser questionada e contestada. É nessa interrupção que residem as possibilidades de instauração de identidades que não representem simplesmente a reprodução das relações de poder existentes”. Uma pedagogia voltada para o multiculturalismo pode auxiliar no tratamento dessa realidade.
Para Oliveira (2001, p. 1) “o cotidiano escolar está impregnado do mito da democracia racial”. Os estereótipos e as ideias preconceituosas vão desde o currículo eurocêntrico até nos livros didáticos, os instrumentos de trabalho na escola e na sala de aula carregam conteúdo viciados e depreciativos. A obrigação do Estado é garantir a proteção das culturas indígenas e afro-brasileiras e demais grupos participantes de nossa sociedade. Essa obrigação deve refletir-se na educação. Por isso as chances de a escola tornar-se um núcleo de resistência e abrigo contra qualquer tipo de discriminação é imperativo.


Silva (2000, p. 97) entende que “A questão da identidade, da diferença e do outro é um problema social ao mesmo tempo que é um problema pedagógico e curricular”. A escola é um espaço onde a diversidade cultural se entrecruza, sendo assim, possui a possibilidade de problematizar a realidade de forma mais concreta. Uma escola pública e de qualidade a todos tem de pensar numa educação do tipo inclusiva. O desafio de trabalhar as diferenças é desafiante para o professor que precisará mediar o conhecimento questionando o cotidiano escolar, que estude a história do ponto de vista do negro e assumir que a sociedade é racista. Para Oliveira (2001, p. 2):


Construir um currículo multicultural é respeitar as diferenças raciais, culturas, étnicas, de gênero e outros. Pensar num currículo multicultural é opor-se ao etnocentrismo e preservar valores básicos de nossa sociedade. 


Silva (2000) aponta estratégias pedagógicas possíveis que podem auxiliar o professor no tratamento com a realidade pluricultural. Para além de posicionar-se de forma “liberal” estimulando os bons sentimentos e a boa vontade com a diversidade cultural. Ou utilizar uma estratégia “terapêutica” que apele para atitudes psicológicas onde só daria uma visão superficial do problema que temos. Uma estratégia pedagógica e curricular de abordagem da identidade e da diferença daria uma contribuição mais consistente porque essas questões são também de ordem política. É nesse terreno que também deve haver os enfrentamentos, pois são nesses mecanismos e instituições que estão ativamente envolvidos. Silva (2000, p. 100) coloca a questão nesses termos:


Antes de tolerar, respeitar e admitir a diferença, é preciso explicar como ela é ativamente produzida. A diversidade biológica pode ser um produto da natureza; o mesmo não se pode dizer da diversidade cultural. 


Sendo assim, uma política educacional nessa ordem estar para além de uma abordagem que toca somente a superfície. Ainda mais que “A diversidade é estática, é um estado, é estéril. A multiplicidade é ativa, é um fluxo, é produtiva. A multiplicidade é uma máquina de produzir diferenças” (Silva, 2000, p. 100). O autor citado coloca isso como uma pedagogia com currículo voltado para diferença que faz a diferença.

O multiculturalismo com aponta Brandim & da Silva (2008) é uma forma de enfrentamento dos conflitos gerados dentro de um contexto sociopolítico-cultural que visa combater as discriminações e preconceitos. Coloca também a globalização e o neoliberalismo como uma forma de diluir as identidades com caráter opressivo que padroniza e homogeneízam culturas ditas inferiores.  


Contrapondo essas ideias com o advento das tecnologias de informação e acelerado intercâmbio de cultura no mundo marcas da multiculturalidade vêm com o desafio de convivermos com a diversidade. Mesmo assim existe uma homogeneidade cultural onde a diferença é relacionada com inferioridade e desigualdades que são vistos cotidianamente em cada espaço da convivência humana. Para Brandim & da Silva (2008, p. 58) “são padrões culturais definidos arbitrariamente e impostos de modo sutil ou arrogante e hostil, peculiar das culturas e identidades autoproclamadas ‘superiores’”.


Essa visão eurocêntrica de mundo afeta a vivência social de todos os grupos culturais numa polarização inferiores X superiores. O entrave encontra-se em como acolher a diversidade cultural onde no jogo das diferenças e relações de poder nos posicionamos em dois extremos. Haja vista, que uma educação multicultural não possui grandes realizações concretas. Mesmo assim o professor é visto como “o salvador da pátria” imbuído com a missão de formar um novo perfil de cidadão.


Welter & Turra (2003, p. 181) diz que o “O respeito à diferença entre os indivíduos é fundamental no processo de interação social, e a sala de aula é um dos locais ideais para a consolidação desse intercâmbio cultural”. Ademais o currículo é um objeto político e longe de ser ingênuo impregnado de etnocentrismo pode traduzir na incapacidade de se trabalhar com a diversidade. O primeiro enfrentamento deve ser feito no currículo escolar para depois na sala de aula se consolidar o intercâmbio das identidades e diferenças. A educação deve possuir essa pretensão de capacitar as pessoas para o convívio social.  


É possível a desconstrução do preconceito na escola corrigindo o ‘estigma’ de desigualdade atribuída às diferenças. Pautando-se no multiculturalismo como elemento constitutivo do currículo devendo ser incorporado progressivamente justificando plenamente os benefícios de uma formação integral aos estudantes. O que é algo vital a uma convivência respeitadora num esforço de justiça e desenvolvimento social.


O combate a qualquer tipo de discriminação é uma necessidade moral e uma tarefa política. O multiculturalismo assume o papel central na construção da identidade e do significado engajada como um movimento teórico e social na defesa da diversidade cultural. Como diz Brandim & da Silva (2008, p. 63) “a grande meta a ser atingida é a equidade”.


REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BRANDIM, Maria Rejane Lima; DA SILVA, Maria José Albuquerque. Multiculturalismo e educação: em defesa da diversidade cultural. In: Diversa: Ano I – nº 1: pp. 51-66: jan/jun 2008.


DA SILVA, Tomaz Tadeu. A produção social da identidade e da diferença. In: DA SILVA, Tomaz Tadeu; HALL, Stuart; WOODWARD, Kathyn (org.) Identidade e diferença: a perspective dos estudos culturais. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2000. p. 73-102.


OLIVEIRA, Eliana. Identidade, intolerância e as diferenças no espaço escolar: questões para debate. In: Revista Espaço Acadêmico, Ano I – nº 7, dezembro de 2001.


WELTER, Tânia; TURRA, Neide Catarina. Espaços multiculturais nas escolas públicas negados ou silenciados? Uma abordagem à diversidade. In: Ponto de Vista, Florianópolis, nº 5: p. 179-189, 2003.

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