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Todos os anos recebemos uma enxurrada de filmes made in Hollywood de todos os gêneros, gostos e padrões que de alguma forma modou a nossa forma de ver o mundo e redesenhou o conceito de artes visuais desse lado do globo. Essa hegemonia se dá porque o cinema norte-americano, por ser mais assistido, é mais divulgado e vice-versa. Essa hegemonia hollywoodiana vem sendo quebrada por vários fatores que não podem ser tratados agora, mas um dos motivos é o desgaste de suas ideias por isso essa onda de remakes na atualidade. A falta de divulgação dos poucos filmes orientais que chegam até nós faz com que nosso olhar encontre estranhamento no primeiro que assistimos porque estamos embebidos com a maneira de ver cinema que nos ensinaram. Uma forma de aprimorar o olhar, de aguçar a crítica e sair da redoma é assistindo a outras produções.
A China vem se destacando pela sua emergente economia com um PIB que cresce a cada ano. Como um gigante asiático vem sendo considerado um dos maiores investidores competindo com os EUA atraindo olhares de todo mundo. Por esses e outros motivos a China vem sendo redescoberta por aqueles que procuram conhecer seu povo, sua cultura. O cinema tem a capacidade de refletir sobre seu próprio tempo, dando nuanças de sua cultura, costumes, valores sociais e contextualizar uma história.  


O filme Lanternas Vermelhas (1991) é uma oportunidade para se conhecer o microcosmos de uma cultura, sobretudo visitar uma produção fora dos muros do Ocidente oferecendo vastas oportunidades de se conhecer tradições milenares. A proposta da película é retratar durante a China dos anos 20 do século passado a perpetuação das tradições familiares. Lembrando que esse recorte reproduzido pelo filme não significa que todas as famílias chinesas se comportavam assim dessa forma. Só para contextualizar o filme se passa num momento em que há uma vasta contestação de jovens intelectuais repensando tradições, discutindo a mudança constitucional. Há Manifestações, protestos que iriam desencadear em guerra civil e mais tarde a Revolução Cultural.
 
Songlian é uma jovem universitária de 19 anos que abandona os estudos. O que motivou foram as dificuldades financeiras que faz com que sua madrasta obrigue a se casar com um homem rico, pois este pelas tradições pagaria o dote. Com essa prática um homem de muitos bens poderia se casar com várias mulheres. Pagando o dote a esposa era praticamente ‘comprada’ passando a ser ‘propriedade’ do marido e morando num conglomerado de casas do Senhor como era chamado. É dentro desses muros que se desdobra toda trama. A tensão lá fora pelo fim da dinastia e emergente guerra civil são olvidados para se concentrar dentro da propriedade. Todo filme se passa dentro dos muros recortando um universo de rivalidades, luta pelo poder retratado pela posse das lanternas na casa das esposas/concubinas, rituais minuciosos.

Ao chegar na propriedade do Senhor Songlian conhece as outras esposas também conhecidas entre elas por irmãs. Yuru é a mais velha e mãe do primogênito, que na trama é ignorada por sua avançada idade. Zhuoyun é a segunda esposa de meia idade que possui uma filha, o que a faz concentrar seus esforços na engravidar para ter um menino. Meishan ex cantora de ópera tem uma menina e está próximo da idade de Songliam. As relações entre as quatro esposas é definida pela declaração de uma delas no próprio enredo “uma casa de gatos, cães e ratos ...”. E entre o elo de intrigas, mentiras, traições e delatação está a serviçal Yan’er que sonha em ser uma das esposas do Senhor. 


O título do filme se baseia numa tradição onde o Senhor seleciona uma esposa para passar a noite, a escolhida passa a ter um tratamento especial desde massagem nos pés, escolha do cardápio nas refeições e a casa iluminada com enormes lanternas vermelhas indicando que o Senhor está presente ali. Com a chegada de Songlian acende ainda mais as rivalidades, descontentamentos e ciúmes pela posse das lanternas em suas casas. Acrescentando a serviçal que as escondidas possui lanternas em seu quarto num desejo secreto de querer o Senhor. 

Através da metáfora das estações do ano o diretor mostra as quatro gerações de mulheres com personalidades distintas marcados por traços peculiares e inerentes as estações. Num teatro de representações onde as esposas são tratadas como concubinas. Ao mesmo tempo em que as estações indicam personalidades, também indica a trama do filme. Percebe que no inverso é o tempo mais difícil, onde os ressentimentos se aprofundam e segredos são descobertos e planos de vingança são traçados. Tudo desdobrados dentro de um ciclo de humilhações, obediência incondicional e submissão as tradições. 


 
No início do século XX o homem chinês de posição, como no caso do filme, tem a total liberdade de possuir a quantidade de esposas que quisesse. Ainda tinha a possibilidade de cometer adultério com as serviçais mesmo tendo tantas esposas! A pena É o que acontece com Yan’er como podemos ver subtendido em algumas cenas. Ela também é contada como uma rival que procura usurpar a posição de Songlian. Seus desejos são concretizados de forma na clandestinidade, quebrando as tradições. Seja cometendo adultério, seja tendo no seu quarto lanternas vermelhas acesas constantemente. A vontade e escolha do Senhor são inquestionáveis. Suas regras são rígidas e duras. A pena máxima supostamente era a morte por enforcamento num dos quartos que ficava num quarto isolado no alto das casas. O que permanece um segredo para Songlian ainda mais quando é proibida de visitar esse lugar.

O Senhor é um homem obscuro. Nunca vemos o seu rosto perfeitamente e não sabemos dos seus negócios fora da propriedade. A dinastia Qing em declínio no início do século XX favoreceu muito a ascensão dos senhores da guerra que eram chefes locais que dispunha de escravos e exércitos particulares onde tinha grande prestigio, popularidade e conseqüentemente propriedades. Possivelmente esse seria a posição do Senhor. Essa ideia do diretor de encobrir o Senhor sempre vendo de costas, sob a pálida luz ou de longe é para dá ênfase as esposas apontando a condição das mulheres na época fazendo-as sobressair em toda sua força uma vez que a condição da mulher nessa sociedade é subalterna e nunca de protagonista, ocorre nessa visão do filme uma inversão de papeis onde o destaque são as mulheres dentro de uma sociedade machista.

Songlian vai ser uma dessas mulheres questionadoras de uma época. Sendo ela uma ex universitária demonstra a instrução como meio de contestação e de consciência crítica. Armas intelectuais para fazer o jogo das esposas e ao mesmo tempo tentar quebrar algumas tradições arcaicas que não mais caberiam dentro de uma nova sociedade que vem surgindo, lembrando os conflitos sociais que estão ocorrendo fora dos muros da propriedade são de mudanças radicais. Percebemos bem isso nas tomadas sobre a flauta, na tradição mulheres não podiam aprender esse instrumento, o que parece que ela guardava como algo secreto. Seria mesmo presente de seu pai? O ter de almoçar em sua própria casa em vez de coletivamente numa sala ‘neutra’. Pedindo massagem sem ser escolhida, se embriagando como forma de protesto pelas humilhações o que vai lhe custar algumas conseqüências indesejáveis. E por último espionando a casa onde eram executadas as concubinas adulteras. Por esse ato vai ser considerada como louca. Nada mais ‘natural’ para uma mulher que tenta fugir dos padrões rígidos de sua sociedade patriarcal. Joana d’Arc foi considerada louca, entre outras que tem como características serem fortes e determinadas.

O filme Lanternas Vermelhas (1991) pode ser visto como um desses que denuncia o machismo, a poligamia, o abuso e humilhações por uma tradição arcaica e retrógada. Uma crítica a sociedade chinesa daqueles moldes com estilo único. O diretor consegue fazer daqueles muros um universo sem termos de nos preocupar com o que se passa lá fora. Sem o tédio que ficar num mesmo ambiente. Um belo filme que mostra os bastidores da família oriental chinesa onde suas lanternas podem ser vistas através da linguagem cinematográfica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

SPENCER, Jonatham. Em Busca da China Moderna: Quatro Séculos de História. São Paulo. Companhia das Letras, 1985.

FILMOGRAFIA:
LANTERNAS VERMELHAS. Direção de Yimou Zhang. 125 min: DVD. Cor. Cannes Home Video, 1991.


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